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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Curtas em conto

Dobrou a esquina. Esqueceu o porquê.

Acordou e a mulher falou: durma.

O cachorro procurava sarna para coçar.

O vento soprava. A terra partia.

A carta na mesa dizia: leia!

O cachorro uivava. A lua ignorou.

O vento soprava. Olhares se perdiam.

- Silêncio!
- Paro o coração?
- Se for possível.

-Não fume!
-É pela fumaça?
-Não. Falta de opção.

sábado, 10 de outubro de 2009

Revolta Visceral

REVOLTA VISCERAL

Minhas entranhas
Confabulam secretamente,
Cheias de rumores,
Sobre uma revolta temerária.

Implicam e replicam,
Reflexo de tão impensada
E mal administrada
Alimentação perdulária.

Mal posso vislumbrar
Os efeitos em meu trono,
Repercussão olfativa e visual
Desta investida revolucionária

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Desejo Possível

DESEJO POSSÍVEL



Com a chegada da noite havia percebido que o dia lhe escapou dos planos e, assim, resolveu buscar a perfeição imediata, não tão oferecida ao risco dos pequenos desvios. Escolheria a mais flexível apesar de firme e lhe daria o destino desejado. Ela cederia às suas vontades.

Vestida entre amarelo, verde e vermelho, linhas arredondadas, se entregaria aos dedos sensíveis. A envolveriam em sua totalidade, sem chances de se perder do controle de mão tão forte.

A outra mão, exímia em movimentos desconcertantes, se prepararia para o golpe sutilmente, para não a precipitar em uma entrega sem as devidas preliminares. Escorregaria por sua pele lisa, mas rugosa na parte mais saliente e na mais recôndita.

Deslizando implacável, desvelaria sua sedosa e fina intimidade. Tão leitosa que não imaginada como protetora de tão saborosa essência. Toda nua, sem a exuberância de sua colorida roupagem, ela estaria suscetível.

Ela, sem resistências, tão solícita aos carinhos dedilhados, ainda seria cheirada e olhada com minúcias em seu corpo deslizante, sem imperfeições. E assim, o momento, de sensual protelação, se tornaria urgente e de desmedido desejo. Por fim, deixaria sua essência escorrer entre as partes, mais evidentes depois do contundente golpe. Escorreria pelos lábios sedentos de tão ardoroso homem na busca da perfeição.


E assim, uma laranja, compensaria o que lhe escapou durante a imperfeição do dia.



Benedito Deíta

sábado, 5 de setembro de 2009

LINHA DO HORIZONTE PERDIDO

LINHA DO HORIZONTE PERDIDO

Deus alinhou tudo
Sobre o horizonte
Para que por ali passasse.

Carregado só de olhos
Parti para a viagem.

Era criança de início.

Hoje carrego armas complicadas,
Prontas para o disparo e a conquista.

Será que perdi os olhos,
Ou esqueci a criança dentro de mim?

MEU AMOR ERA TÃO PEQUENO

GRANDEZAS

Meu amor era tão pequeno.
Cabia na palma da mão.
Controlava-o entre meus dedos,
Passeando-o por seus vãos..

Deslizava-o sobre o peito.
O jogava no umbigo.
Enroscava-o na virilha.
Brincava com ele pelos vales.
Toquei-o com a boca.
Suguei-o até o cérebro,
Tornando-o muito grande

E assim ele cresceu
Bem além do que queria.
Tomou o mundo
E não cabe mais em mim.

Escapou entre os meus dedos.
São o meu único consolo:
Chupo eles todo dia.

FORÇAS EXTERNAS

FORÇAS EXTERNAS

Lhe lançarei uma nascente.
Percorrerei, rio,
Por entre suas margens.

Me incluirei, ar,
Ao vento que sopra
Entre suas florestas.

Me desaguarei, chuva,
Às enxurradas que lhe
Tomam o relevo.

Lhe dissolverei
As rochas do pensamento,
Entregando-as ao intemperismo
Das forças de minha natureza.
FRESCOR DA TARDE

A tarde se refrescava com o vento, enfraquecendo o verão quente naquele momento do mês de dezembro, correndo o risco de uma chuva ensopar mais um dia como outro qualquer da estação úmida do calor.

Mulheres despontavam das portas de suas cozinhas acelerando os passos. Enxugavam as mãos nos aventais, ou mesmo nos seus vestidos, desprovidas de cuidados ante a ameaça de perderem o trabalho de roupas lavadas e penduradas sob sol tão generoso.

Descia, uma delas, os degraus irregulares, gastos pelo tempo e abandonados de cuidados. Eram só dois. Correu descalça pela calçada irregular, sentindo movimentar-se entre as rachaduras e o musgo que cobriam parte do chão.

Conhecedora do espaço, sua parca visão não atrapalhava a coleta das peças de roupa. Até gostava. Ressaltava-lhe o tato, que proporcionava o toque único do chão, rústico, tão próprio e profundo, o que vencia a espessura e os olhos-de-peixe que os pés ganharam durante anos. Atingia sua sensibilidade, mesmo que guardada sob a pele. Também frio, o chão ainda lhe amenizava o calor do tempo e de tanta atribulação.






Dobrava as peças como se já não precisasse olhar mais pra elas, de tanto que as conhecia. Enquanto isto via imagens em seqüência, como em um filme, do que lhe reservava o resto do dia.

Sobre a casa, ininterruptos, batiam o vento e a chuva da tempestade. Sopravam forte seus ares e águas sobre os vidros. Por mais forte que se mostrassem em nada ameaçavam sua racionalização do tempo para que tudo nele coubesse. Coroaria o final da noite com os frangos temperados e ferventados para o dia seguinte. Seriam assados para o deleite dos filhos e do marido. Orgulho que lhe recompensaria tanto trabalho.

Seus gestos medidos foram quebrados por uma rajada de ventos que estremeceram os vidros e a porta. Solidárias ao tremor ressoado pela cozinha, suas pernas se sentiram afetadas. E, como se há um bom tempo não tivesse certeza de que existissem, percebeu que estavam ali mais do que nunca. Soltou as mangas da blusa que arrumava. E depois a blusa toda. Tocou as pernas querendo acalmá-las. Mas o contato despertou-lhe a necessidade da carícia, reavivando-as após um longo tempo.












Num súbito, avançou e abriu a porta, sentindo vento e água sobre si. Desceu os degraus e se postou no quintal se absorvendo ao temporal, entre rajadas e chuva. Tocava os seios, fartos e pesados, o baixo ventre, entre as pernas curtas e com varizes, tocado agora como há muito não o fora. Lágrimas desciam misturando-se ao que desejava há tempos. Suas mãos, parecidas alheias, tocavam-na sem pausa, num crescente frenético, subindo e descendo pelo máximo que podiam percorrer. Terminaram em conjunto, num auge de ambas levantadas ao céu enquanto a chuva se cadenciava, em menor ritmo e de pingos que se pontuavam mais. Desceu-as tranqüilas sobre o corpo que parecia não mais ser seu, mas uma parte de tudo que lhe rodeava.

E assim, entre as estrelas, a lua, a brisa e o ar calmo que a noite trazia seu corpo deitado e adormecido tornou-se mais um detalhe a compor um quadro de calmaria depois da latência que jorrou e se expirou, em parte, sobre a superfície da Terra, como manda a ordem natural da vida.



BENEDITO DEÍTA