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sábado, 5 de setembro de 2009

FRESCOR DA TARDE

A tarde se refrescava com o vento, enfraquecendo o verão quente naquele momento do mês de dezembro, correndo o risco de uma chuva ensopar mais um dia como outro qualquer da estação úmida do calor.

Mulheres despontavam das portas de suas cozinhas acelerando os passos. Enxugavam as mãos nos aventais, ou mesmo nos seus vestidos, desprovidas de cuidados ante a ameaça de perderem o trabalho de roupas lavadas e penduradas sob sol tão generoso.

Descia, uma delas, os degraus irregulares, gastos pelo tempo e abandonados de cuidados. Eram só dois. Correu descalça pela calçada irregular, sentindo movimentar-se entre as rachaduras e o musgo que cobriam parte do chão.

Conhecedora do espaço, sua parca visão não atrapalhava a coleta das peças de roupa. Até gostava. Ressaltava-lhe o tato, que proporcionava o toque único do chão, rústico, tão próprio e profundo, o que vencia a espessura e os olhos-de-peixe que os pés ganharam durante anos. Atingia sua sensibilidade, mesmo que guardada sob a pele. Também frio, o chão ainda lhe amenizava o calor do tempo e de tanta atribulação.






Dobrava as peças como se já não precisasse olhar mais pra elas, de tanto que as conhecia. Enquanto isto via imagens em seqüência, como em um filme, do que lhe reservava o resto do dia.

Sobre a casa, ininterruptos, batiam o vento e a chuva da tempestade. Sopravam forte seus ares e águas sobre os vidros. Por mais forte que se mostrassem em nada ameaçavam sua racionalização do tempo para que tudo nele coubesse. Coroaria o final da noite com os frangos temperados e ferventados para o dia seguinte. Seriam assados para o deleite dos filhos e do marido. Orgulho que lhe recompensaria tanto trabalho.

Seus gestos medidos foram quebrados por uma rajada de ventos que estremeceram os vidros e a porta. Solidárias ao tremor ressoado pela cozinha, suas pernas se sentiram afetadas. E, como se há um bom tempo não tivesse certeza de que existissem, percebeu que estavam ali mais do que nunca. Soltou as mangas da blusa que arrumava. E depois a blusa toda. Tocou as pernas querendo acalmá-las. Mas o contato despertou-lhe a necessidade da carícia, reavivando-as após um longo tempo.












Num súbito, avançou e abriu a porta, sentindo vento e água sobre si. Desceu os degraus e se postou no quintal se absorvendo ao temporal, entre rajadas e chuva. Tocava os seios, fartos e pesados, o baixo ventre, entre as pernas curtas e com varizes, tocado agora como há muito não o fora. Lágrimas desciam misturando-se ao que desejava há tempos. Suas mãos, parecidas alheias, tocavam-na sem pausa, num crescente frenético, subindo e descendo pelo máximo que podiam percorrer. Terminaram em conjunto, num auge de ambas levantadas ao céu enquanto a chuva se cadenciava, em menor ritmo e de pingos que se pontuavam mais. Desceu-as tranqüilas sobre o corpo que parecia não mais ser seu, mas uma parte de tudo que lhe rodeava.

E assim, entre as estrelas, a lua, a brisa e o ar calmo que a noite trazia seu corpo deitado e adormecido tornou-se mais um detalhe a compor um quadro de calmaria depois da latência que jorrou e se expirou, em parte, sobre a superfície da Terra, como manda a ordem natural da vida.



BENEDITO DEÍTA

Um comentário:

Sandra Schamas disse...

Esse conto é muito bonito, poético e triste ao mesmo tempo. tenho de dizer que vc não está mais tão enigmático, porém, mantém seu estilo. Ao lê-lo senti que era vc, mas um vc mais escritor do que nunca, sem medo de dizer o que quer dizer. Para meu crítico paladar literário, esse conto é gourmet! Não pare, please...bj san